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Cartilha de royalties musicais

Entenda como funciona a distribuição de royalties na indústria da música

1. Introdução: Por que entender de royalties?

A música é mais do que arte, é um bem intelectual valioso que, quando explorado corretamente, gera receita significativa. Para artistas, compositores e todos os envolvidos na criação e produção musical, compreender o universo dos royalties não é apenas uma questão financeira, mas de empoderamento.

Conhecer seus direitos e como a remuneração pelo seu trabalho é calculada e distribuída garante que você receba o que é justo e permite que você tome decisões mais informadas sobre sua carreira, contratos e parcerias.

Nesta cartilha, você aprenderá os fundamentos dos direitos autorais na música, o papel de entidades como o ECAD, como os royalties são gerados no ambiente digital (streaming e downloads), quem são os principais atores nesse ecossistema e dicas cruciais para proteger e maximizar seus rendimentos.

2. O básico: direitos autorais na música

No universo musical, a receita gerada é dividida com base em diferentes tipos de direitos, atrelados à criação da obra e à sua gravação. Entender essa distinção é o primeiro passo.

Direito Autoral (da Obra Musical)

Refere-se à criação intelectual da música: a letra e a melodia. Este direito pertence aos autores (letristas) e compositores (criadores da melodia). Muitas vezes, a administração e exploração comercial desses direitos são confiadas a Editoras Musicais através de contratos específicos.

Direitos Conexos (do Fonograma)

O Fonograma é a fixação da obra musical em uma base material sonora, ou seja, a gravação da música (o "master"). Os direitos sobre o fonograma pertencem ao Produtor Fonográfico, que é quem investiu financeiramente e tecnicamente na gravação. Pode ser o artista independente, um selo musical ou uma gravadora.

Direitos Conexos (da Interpretação)

Referem-se à performance dos artistas na gravação ou em execuções ao vivo. Esses direitos pertencem aos artistas intérpretes (cantores, músicos principais) e aos músicos acompanhantes que participaram da execução.

3. Execução pública: o papel do ECAD

O que é execução pública?

Considera-se execução pública toda vez que uma música é tocada em locais de frequência coletiva ou transmitida para o público. Isso inclui rádios, emissoras de televisão, shows e eventos ao vivo, bares, restaurantes, lojas, academias, transporte público sonorizado, e também na internet através de streaming ao vivo, webrádios, entre outros.

Quem é o ECAD?

O ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) é uma associação civil, de natureza privada e sem fins lucrativos. Ele é formado por sete associações de música: Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC. Por determinação da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), o ECAD é o único órgão autorizado a arrecadar e distribuir os direitos autorais de execução pública musical em todo o território brasileiro.

Como o ECAD arrecada?

O ECAD realiza a cobrança de uma taxa dos "usuários de música" – qualquer pessoa física ou jurídica que utilize músicas publicamente em suas atividades. O valor dessa taxa (retribuição autoral) varia consideravelmente, dependendo de fatores como o tipo de utilização da música, a importância da música para a atividade do usuário, a região geográfica, a periodicidade do uso, entre outros critérios definidos no Regulamento de Arrecadação do ECAD.

Como o ECAD distribui?

Após a arrecadação, o ECAD deduz uma porcentagem para cobrir suas despesas administrativas e operacionais, além de uma taxa para as associações que o compõem. Historicamente, essa retenção gira em torno de 17% (sendo aproximadamente 10% para o ECAD e 7% para as associações).

O valor restante (aproximadamente 83% do total arrecadado) é então distribuído aos titulares de direitos da seguinte forma:

Direito Autoral (Compositores, Autores e Editoras): 2/3

Esta é a maior fatia, destinada aos criadores da obra musical. As editoras musicais recebem uma parte desta fatia, conforme o contrato firmado com os autores/compositores (um padrão comum é a editora ficar com 25% da parte que caberia ao autor).

Direitos Conexos (Intérpretes, Produtores, Músicos): 1/3

Este terço é subdividido da seguinte maneira para remunerar os envolvidos na gravação e interpretação:

  • Intérpretes: 41,7%
  • Produtores Fonográficos: 41,7%
  • Músicos Acompanhantes: 16,6%

Importante: Para receber, a obra e o fonograma precisam estar devidamente cadastrados no ECAD através de uma das 7 associações.

A Importância do cadastro e da documentação

Para que os valores arrecadados pelo ECAD cheguem corretamente aos seus destinatários, é crucial que todas as informações estejam devidamente registradas e atualizadas:

  • Cadastro de Obras: As composições (letra e melodia) devem ser cadastradas, gerando um código ISWC (International Standard Musical Work Code).
  • Cadastro de Fonogramas: As gravações (masters) devem ser cadastradas, gerando um código ISRC (International Standard Recording Code).
  • Cadastro de Titulares: Autores, compositores, intérpretes, músicos, produtores fonográficos e editoras devem estar cadastrados em uma das sete associações de música que compõem o ECAD, com seus dados pessoais (CPF/CNPJ) e bancários corretos. Compositores e artistas também recebem um código IPI.
  • Roteiros Musicais (Cue Sheets): Para shows, eventos e programas de rádio/TV, é fundamental o envio dos roteiros com as músicas executadas para que o ECAD possa identificar e distribuir os valores corretamente.

Manter todos esses dados atualizados junto à sua associação é a chave para garantir o recebimento dos seus direitos.

4. Mundo Digital: royalties de streaming e download

Como funciona a arrecadação digital?

As plataformas digitais de música (como Spotify, Deezer, Apple Music, YouTube Music, Amazon Music, etc.) remuneram os detentores de direitos com base, principalmente, no número de execuções (streams) ou downloads de cada música. O valor pago por cada stream é geralmente muito pequeno e altamente variável. Ele depende de múltiplos fatores, incluindo:

  • O país onde o stream ocorreu.
  • O tipo de assinatura do usuário (gratuita com anúncios ou premium/paga).
  • A receita publicitária total da plataforma (para usuários gratuitos).
  • O total de receita de assinaturas da plataforma.
  • Os acordos comerciais específicos entre a plataforma e as gravadoras/distribuidoras.

Tipos de royalties digitais

Royalties de Master (Direitos Conexos)

São pagos ao proprietário da gravação sonora (o fonograma ou "master"). Este pode ser o artista independente (se ele bancou a gravação), um selo musical ou uma gravadora. As plataformas digitais geralmente pagam esses royalties para uma Distribuidora Digital (também chamada de Agregadora, como ONErpm, Tratore, CD Baby, TuneCore, etc.). A distribuidora, por sua vez, repassa a parte correspondente ao dono do master, de acordo com os termos do contrato entre eles.

Royalties Editoriais (Direitos Autorais)

São pagos aos autores, compositores e suas respectivas editoras musicais pela utilização da obra musical (letra e melodia). As plataformas pagam esses royalties às sociedades de gestão coletiva de direitos autorais (no Brasil, parte significativa é direcionada ao ECAD, que então repassa às associações para distribuição aos titulares) ou, em alguns mercados e para grandes catálogos, diretamente a grandes editoras que possuem acordos específicos. A lógica de distribuição pelo ECAD para o digital segue regras próprias, que podem diferir um pouco da execução pública tradicional, mas visam remunerar os criadores da obra.

Quem paga quem? (Fluxo Simplificado no Digital)

  1. Usuário ouve música ou faz download na Plataforma Digital.
  2. Plataforma Digital paga:
    • Agregadora Digital / Selo / Gravadora (pelos Direitos de Master):
      • Que então repassa uma porcentagem ao Artista (como intérprete e/ou dono do master, conforme contrato).
    • Editoras Musicais / Sociedades de Gestão Coletiva (ex: ECAD via Associações) (pelos Direitos Editoriais/Autorais):
      • Que então repassam aos Autores/Compositores e suas Editoras (conforme contratos e regras de divisão).

Práticas comuns de mercado na divisão digital (Royalties de Master)

Artista Independente via Agregadora Digital:

O artista (atuando como seu próprio produtor fonográfico e dono do master) contrata uma agregadora para distribuir sua música.

  • A agregadora geralmente fica com uma comissão percentual sobre a receita arrecadada das plataformas (ex: 10% a 30%) ou cobra taxas anuais/por lançamento.
  • O artista (dono do master) recebe o restante (ex: 70% a 90% da receita que a agregadora recebeu).

Artista via Selo Musical ou Gravadora:

Os contratos aqui podem variar enormemente. Geralmente, o selo/gravadora é o dono do master (produtor fonográfico).

  • O selo/gravadora recebe os royalties de master (seja através de uma agregadora ou por acordos diretos, no caso de grandes gravadoras).
  • O artista intérprete recebe uma porcentagem (royalty artístico) sobre os lucros líquidos ou receitas líquidas do selo/gravadora, após a dedução de diversos custos (investimento em gravação, produção de videoclipes, marketing, distribuição física, etc.).
  • Essa porcentagem para o artista pode variar muito (ex: 15% a 50% do que o selo/gravadora efetivamente recebe e lucra com a exploração do master).
  • É comum a prática de "recoupment" (recuperação de investimento): o selo/gravadora primeiro recupera todos os custos adiantados na produção e promoção do artista antes que o artista comece a receber sua porcentagem de royalties.

Comparativo de pagamento *estimado* por 1.000 streams (USD)

Spotify $3 - $5
Apple Music $6 - $8
YouTube Music $0.8 - $2
Amazon Music $4 - $6

*Valores brutos pagos pela plataforma aos detentores de direitos antes das divisões contratuais.

5. Os Atores da Música e suas fatias do bolo

A indústria musical é um ecossistema com diversos participantes, cada um com um papel e uma forma de remuneração. Veja um resumo:

Autor / Compositor

  • ECAD: Recebe a principal fatia da parte de Direitos Autorais (dos 2/3 distribuíveis).
  • Digital (Editorial/Publishing): Recebe royalties pela composição, via sua associação de gestão coletiva (que integra o ECAD) e/ou sua editora musical.
  • Pode ceder uma parte de seus rendimentos à Editora Musical por contrato (ex: 25% da sua parte no ECAD; 50% dos royalties editoriais no digital).

Artista Intérprete

  • ECAD: Recebe uma fatia dos Direitos Conexos (41,7% de 1/3 do valor distribuível).
  • Digital (Master): Se for o dono do master (artista independente), recebe a maior parte da receita do master via agregadora digital. Se tiver contrato com selo/gravadora, recebe uma porcentagem (royalty artístico) do que o selo/gravadora arrecada com o master, após recoupment de custos.
  • Cachês de Shows: Principal fonte de renda direta por performances ao vivo (shows também geram arrecadação para o ECAD que beneficia todos os titulares).

Músicos Acompanhantes

  • ECAD: Recebem uma fatia dos Direitos Conexos (16,6% de 1/3 do valor distribuível).
  • Digital: Geralmente não recebem royalties diretos do streaming, a menos que haja um acordo contratual específico com o dono do master (artista principal ou selo). São frequentemente pagos por um cachê fixo pela gravação e/ou por apresentação ao vivo.

Produtor Fonográfico

(Dono do Master - pode ser o artista, selo ou gravadora)

  • ECAD: Recebe uma fatia dos Direitos Conexos (41,7% de 1/3).
  • Digital (Master): Recebe a receita pela exploração do master.
  • Venda Física: Recebe a maior parte do lucro da venda.

Editora Musical

  • ECAD: Recebe % da parte do Autor/Compositor.
  • Digital (Editorial): Recebe % (geralmente 50%) dos royalties editoriais.
  • Administra e promove as obras.

Gravadora / Selo

  • Atua como Produtor Fonográfico.
  • Recebe como Produtor Fonográfico no ECAD e Digital.
  • Repassa % ao Artista Intérprete.

Distribuidora Digital

  • Coloca música nas plataformas e coleta royalties de master.
  • Fica com % da receita do master ou cobra taxas.

Empresário (Manager)

  • Não tem direito a royalties pela lei, mas por contrato.
  • Recebe % sobre rendimentos do artista (10-20%).

6. Calculadora Estimada de Royalties de Streaming

Faça uma estimativa de quanto você poderia ganhar com suas músicas em plataformas de streaming. Lembre-se que estes são valores **brutos estimados** e o valor final depende de muitos fatores.

Após a parte da gravadora/distribuidora. Se independente, pode ser 70-90%.

Se houver co-autores ou editora, desmarque e ajuste os valores manualmente ou consulte um especialista.

7. Perguntas frequentes

O tempo de recebimento varia conforme o tipo de royalty e a entidade responsável. Em geral, os pagamentos de plataformas digitais ocorrem entre 2 e 4 meses após o período de consumo. Já os direitos de execução pública (ECAD) podem levar de 3 meses a mais de um ano para serem distribuídos, dependendo do tipo de uso.

A obra (composição) pode ser registrada na Biblioteca Nacional (EDA) para fins de prova de autoria. Para coletar direitos autorais, é essencial filiar-se a uma das associações de gestão coletiva (UBC, ABRAMUS, etc.) que integram o ECAD. O fonograma (gravação) deve ter um ISRC, geralmente fornecido pela sua distribuidora ou gravadora, ou solicitado à entidade responsável (Pro-Música Brasil).

Compositores (autores da letra e melodia) recebem direitos autorais pela criação da obra. Intérpretes (cantores, músicos que participam da gravação) e produtores fonográficos (quem financiou a gravação, geralmente a gravadora) recebem direitos conexos pela gravação (fonograma). Uma mesma pessoa pode ser compositora, intérprete e produtora fonográfica, acumulando diferentes tipos de direitos.

ISRC (International Standard Recording Code) é um código único que identifica gravações sonoras (fonogramas), não a obra musical em si. É essencial para o rastreamento e distribuição precisa de royalties de gravação, especialmente em plataformas digitais e para execução pública. No Brasil, os códigos ISRC são gerenciados pela Pro-Música Brasil, mas geralmente são atribuídos por produtores fonográficos ou distribuidoras digitais.

8. Glossário de termos comuns

Direito do criador sobre sua obra intelectual (letra, melodia).

Direitos ligados à interpretação, produção do fonograma e transmissão.

Escritório Central de Arrecadação e Distribuição; responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos de execução pública musical no Brasil.

A gravação sonora da música (o "master").

Código Padrão Internacional de Gravação (International Standard Recording Code); identifica um fonograma específico.

Código Internacional Normalizado de Obras Musicais (International Standard Musical Work Code); identifica uma composição musical (obra).

Identificação de Pessoas Interessadas (Interested Party Information); número de cadastro de compositores, artistas, editoras, etc., no sistema internacional de direitos autorais, usado pelo ECAD e outras sociedades.

Empresa que administra e promove obras musicais (composições) em nome dos autores/compositores.

Pessoa física ou jurídica que financia e é proprietária da gravação master de uma música.

Empresa que distribui música para plataformas de streaming e download e coleta os royalties de master.

Transmissão de música ou vídeo online sem a necessidade de download completo do arquivo.

Pagamento feito ao detentor de um direito (autoral, de patente, etc.) pelo uso de sua propriedade intelectual.

Processo pelo qual uma gravadora, selo ou investidor recupera os custos adiantados (gravação, marketing, etc.) com as receitas geradas pela música antes de começar a pagar a porcentagem de royalties ao artista.

9. Dicas importantes e recursos adicionais

Próximos passos para profissionalizar sua carreira:

  • REGISTRE TUDO: Certifique-se de que suas obras (composições) e fonogramas (gravações) estão devidamente registrados. Associe-se a uma das sete sociedades de gestão coletiva que integram o ECAD para garantir a arrecadação dos seus direitos de execução pública.
  • LEIA CONTRATOS ATENTAMENTE: Entenda cada cláusula antes de assinar qualquer contrato com editoras musicais, selos, gravadoras, distribuidoras digitais ou empresários. Se necessário, não hesite em consultar um advogado especializado em direito autoral e da música.
  • METADADOS CORRETOS SÃO CRUCIAIS: Informações precisas e completas (nomes dos titulares, CPFs/CNPJs, códigos ISRC para fonogramas, ISWC para obras, IPIs) são fundamentais para que os pagamentos de royalties sejam feitos corretamente e cheguem até você.
  • ACOMPANHE SEUS RENDIMENTOS: As associações de música e as distribuidoras digitais fornecem extratos e relatórios de rendimentos. Analise-os para entender de onde vêm seus ganhos e se os pagamentos estão corretos.
  • NETWORKING E INFORMAÇÃO CONSTANTE: Converse com outros músicos, produtores, advogados da área. Participe de workshops, palestras e mantenha-se sempre atualizado sobre as mudanças na legislação e no mercado musical.
  • DIVERSIFIQUE SUAS FONTES DE RENDA: Os royalties são uma parte importante, mas não a única. Considere também receita de shows, venda de merchandising, licenciamento de músicas para publicidade, filmes, jogos (sincronização), financiamento coletivo, aulas, etc.

Livros recomendados

  • Música e Direito Autoral no Brasil - José Carlos Costa Netto
  • All You Need to Know About the Music Business - Donald S. Passman
  • Como a Música Funciona - David Byrne

Conclusão: seu futuro na Música

Compreender o complexo mundo dos royalties musicais é um passo fundamental para qualquer profissional da música que busca uma carreira sustentável e justa. Esperamos que esta cartilha tenha fornecido o conhecimento base para você navegar com mais segurança e confiança neste universo. Lembre-se: informação é poder. Busque seus direitos, profissionalize sua atuação e continue fazendo a música acontecer!

Para questões legais específicas ou análise de contratos, é sempre recomendável a consulta a um advogado especializado em Direito Autoral e da Música.