Publicações nacionais e estrangeiras costumam divulgar, ao final de cada ano, suas listas de tendências tecnológicas e de mercado, combinadas com as propensões regulatórias para o país no período seguinte. Neste ano, todas foram unânimes em indicar o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) generativa como uma forte tendência, com impactos relevantes no mercado e na sociedade para que seja possível sua regulação. Estão certas nesta recomendação, pois não há dúvidas sobre o potencial de modificação do uso desta (nem tão nova) tecnologia. Dentre alguns pontos de impacto, vale destacar:
- Transformação do Mercado de Trabalho: Essa é, sem dúvida, uma das grandes preocupações, já que a IA generativa pode automatizar e acelerar tarefas que atualmente requerem habilidades criativas e técnicas; não apenas aquelas atividades meramente repetitivas, potencialmente deslocando profissionais em campos como design gráfico, redação de conteúdo e desenvolvimento de software. Por outro lado, isso também pode criar novos empregos especializados, focados na supervisão, manutenção e melhoramento desses sistemas de IA.
- Inovação e Desenvolvimento de Produtos: Empresas podem utilizar a IA generativa para acelerar o desenvolvimento de produtos, desde a concepção de ideias até o design final. Isso pode levar a um ciclo de inovação mais rápido e a produtos mais personalizados para atender às demandas específicas dos consumidores.
- Impacto na Propriedade Intelectual: A geração de conteúdo por IA já tem levantado questões sobre direitos autorais e propriedade intelectual, a exemplo da recente disputa entre o NY Times e OpenAI, além de outras disputas na fila. Determinar a titularidade de obras criadas por máquinas e os direitos associados será um desafio legal e ético significativo.
- Mudanças no Marketing e Publicidade: A IA generativa pode criar conteúdo de marketing altamente personalizado e eficaz, mudando a forma como as empresas interagem com os consumidores. Isso inclui a criação de anúncios, conteúdo de mídia social e até mesmo experiências de usuário personalizadas.
- Educação e Treinamento: A disponibilidade de ferramentas baseadas em IA generativa pode transformar a educação e o treinamento, oferecendo recursos personalizados e interativos que se adaptam ao estilo de aprendizagem do usuário. Isso pode democratizar o acesso à educação de qualidade.
- Desafios Éticos e Sociais: A adoção generalizada de IA generativa levanta questões éticas, como o potencial para a criação de desinformação e conteúdo prejudicial em maior escala. A regulação e o monitoramento dessas tecnologias serão cruciais para mitigar riscos sociais.
- Implicações na Privacidade de Dados: Sistemas de IA que coletam e analisam grandes volumes de dados podem levantar preocupações com a privacidade. As empresas devem equilibrar a inovação com a responsabilidade de proteger os dados dos usuários.
- Competitividade Empresarial: Empresas que adotarem efetivamente a IA generativa podem ganhar vantagens competitivas significativas, enquanto aquelas que não se adaptarem podem ficar para trás. Isso pode levar a uma reestruturação do panorama competitivo em muitos setores.
Na esteira de projetos de lei em discussão e que tendem a ser aprovados neste ano, duas regulações impactam diretamente neste contexto, e cujos efeitos ainda serão potencializados por outras duas leis já bastante conhecidas. Trata-se dos projetos de lei nº 2630, que busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas que ficou conhecido como o “PL das Fake News”, e o PL nº 2338, que pretende regular o uso e desenvolvimento de inteligência artificial. Ambos os PLs são ótimos candidatos a ocuparem parte das pautas do Congresso tendo em vista seus efeitos no processo eleitoral e em ano de eleições municipais.
Outras duas regulamentações são o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essas quatro normas em conjunto formam um arcabouço regulatório altamente relevante para o mercado, não somente o de tecnologia, mas especialmente o que faz uso de tecnologia, ou seja, todo ele.
Seguindo a tendência líder, de que 2024 será o ano da IA generativa no Brasil (e no mundo), é possível listarmos também os potenciais impactos da proposta de regulação da IA caso venha a ser aprovada nos termos atuais. Lembrando que alterações em um projeto de lei são praticamente a regra, e é possível, embora não desejado, que tenhamos mudanças no texto atual até sua aprovação final e sanção.
- Inovação e Competitividade: A necessidade de conformidade legal com o projeto pode estimular a inovação e melhorar a qualidade dos produtos de IA, mas também pode aumentar os custos de desenvolvimento e retardar a entrada no mercado de novas tecnologias.
- Transparência e Confiança do Consumidor: As medidas de transparência e explicabilidade podem aumentar a confiança do consumidor em produtos e serviços de IA, mas exigem investimentos adicionais em comunicação e desenvolvimento de sistemas.
- Custos de Conformidade: Empresas terão que investir em processos de avaliação e adaptação de riscos, o que pode ser especialmente desafiador para startups e pequenas empresas.
- Impacto na Inclusão Digital e Social: A regulação pode ajudar a prevenir vieses e discriminação em sistemas de IA, promovendo uma inclusão digital mais equitativa.
- Desafios Legais e Éticos: A necessidade de avaliação de impacto algorítmico e categorização de riscos implica em desafios legais e éticos, requerendo uma abordagem multidisciplinar para a implementação de soluções de IA.
Embora possa impor algumas restrições, a regulação é essencial para orientar o desenvolvimento responsável da IA, equilibrando inovação e proteção. O ano já começou, e o momento requer muito trabalho para que as boas tendências se confirmem e que ajustes sejam feitos para minimizar, ou eliminar, os impactos negativos de outras.
Daniel Dore, Cláudio Santos, Gustavo Machado – sócios-fundadores do DMS Advogados
*artigo publicado originalmente entre os dias 19/01 e 01/02 de 2024, nos seguintes veículos: Jornal “Estadão”; TIInside; Diário de Uberlândia; Capital Digital; Tribuna de Minas; e Monitor Mercantil.